sábado, janeiro 05, 2013


Amar é água


Olhe bem para mim porque isso que vê não é uma só pessoa. Me olhe com atenção porque aqui estão todas as pessoas que me amaram e as que alguma vez amei.
Elas me fizeram quem sou. Elas me amaram, me deixaram e me deixaram deixá-las. Elas me arrastaram por todos os estágios do coração e, graças a elas, hoje conheço bem os quatro elementos da matéria afetiva: apaixonar-se, estar apaixonado, querer e amar.
Apaixonar-se é fogo. Um processo que tudo queima e tudo consome, ainda mais a quem o confessa. Como toda autocombustão, felizmente não dura para sempre. Ninguém sobreviveria muito tempo a essa cegueira, a essa falta de sensatez, a essa cerração. Porém também não saberíamos cicatrizar sem nunca havê-lo sofrido. Quem nunca foi pirômano por amor? Quem nunca fingiu poder controlá-lo? Quem nunca negou o evidente?
Nesta fogueira das banalidades, a madeira que mais queima é a fantasia, as chamas se pintam de vermelho paixão, a fumaça que nos cega resulta extremamente tóxica, e é necessário andar com cuidado pois os ciúmes são suas cinzas.
Estar apaixonar, pelo contrário, é ar. Oxigênio. Inspiração. Encher o coração de sangue novo.Deixá-lo de lado para tomar ar fresco. Abrir suas janelas e deixar que o ar corra, que entre luz. Tudo cheira a novo, a necessário e a conveniente. E nessa distante praia onde se vai parar, se respira melhor.
Como toda brisa, no princípio, é totalmente inofensiva, porém se nos escapa das manos e deixamos que venha rachada, pode estar anunciando tormenta ou inclusive acabar em furacão. Por isso é importante que se levante a um ritmo constante, lindo e suavezinho. Que empurre, sim, porém que não despenteie.
            Querer é terra, possessão e propiedade. Delimitação, fronteira e exclusão. É querer comigo ou querer contra mim. Hectares de desejos mesquinhos e egoístas. Por isso é perigoso querer muito e sem controle, porque aquilo que queres, cedo ou tarde, te acabará possuindo.
As cercas são muito freqüentes quando se quer assim. Normas rígidas e controles de segurança, vigilância 24 horas em forma de leis morais e medo, muito medo a perder o que se tem. O que falta a esse tipo de amor é exatamente o que o acabará estrangulando: sua liberdade.
Por isso, amar é água. A combinação estável e perfeita entre a energia do hidrogênio e a vida do oxigênio. Unidos, porém flexíveis. Atrelados, porem adaptáveis.  Em outra palavra, contraditórios. Fluir sem vontade de correr, liberar com intenção de aprisionar, viver o futuro como se acabasse ontem.
Perigos, todos os que possa imaginar: a tensão superficial, que mantêm uma impermeabilidade fictícia; as correntes, que nos podem arrastar sem dar-nos conta para onde não queremos estar; e a temperatura de ebulição, porque ainda que não o pareça, se descuida, isto também pode ferver... e evaporar-se.

Trecho retirado do libro Que la muerte te acompañe de Risto Mejide.
Tradução: Alinee Santos
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